quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Dupla vista

“Tudo é uma ilusão”. Constatou o etílico, depois de ver muita coisa em duplicidade.
Uma dupla esquina. Uma dupla de amigos. Uma dupla solidão. Uma jogada dupla. Um duplo fracasso. E um dublê de si mesmo. Seu duplo não vomitava, nem chorava. Seu duplo estava sóbrio e distinguia bem uma saída. Traçava planos com rapidez e os tinha duplos. Para o caso do tão necessário plano B.
O ébrio, cheio de esperanças, olhava sua cópia nos olhos com muita atenção. Prestigiava os gestos do tal, e principalmente, ouvia, distintamente, seus argumentos. Ficou pasmo com tanta precisão. Era tudo que ele precisava ouvir.
 Um contentamento tamanho lhe brotou no peito. Ajeitou-se, aprumou-se.  Desejou, ardentemente, ser o outro.
 Fechou os olhos para realizar seu desejo. Tudo rodopiou dentro dele. A esquina, os amigos, a solidão, a jogada, o fracasso e seu duplo giraram e se misturaram como num caldeirão.
Abriu os olhos e a poção o havia transformado. Era ele mesmo, não tão espirituoso, não mais descolado, ainda não sóbrio, mas completamente lúcido.
Num golpe de dupla vista distinguiu o que queria e viria a ser e não, necessariamente, permaneceria “tudo ilusão”.

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