terça-feira, 24 de maio de 2016

Isto é o que a gente quer que eles pensem


“Por dentro bela viola por fora”... Isso é o que a gente quer que eles pensem.
Sorriso fechado, lábio apertado, rosto calado, por fora.
Por dentro, coração franco, boca entreaberta para palavras mansas.
 É meia noite e tudo bem.
É o que a gente quer, que vendo por fora, toda gente desanime da gente.
Sós num canto, à vontade, sem lembretes, nem memorandos, só a gente.
Desaparecidos de cena.
Confortavelmente dispensados. Sem sequer ser ou estar. Saindo de fininho, parecendo imprestável.
Será preguiça ou medo?
Por dentro o belo instrumento, por fora o “pão bolorento”.
Que vejam o por fora! Que pensem!
 “To be or not to be”?  Esquece!
Sabe-se lá o que vão exigir da gente.
 


quinta-feira, 19 de maio de 2016

E cada qual no seu canto

Acabou-se o que era doce. O fel inundou o terreno.
Uma tempestade de dores desabou. Relâmpagos e trovões cortam os ares dos rostos. Os olhos baixam, procurando evitar os pingos ácidos.
A enchente corrosiva parece não perdoar nada, carrega e arrasta: anistia, afetos, compaixão e altruísmo.
Quem viveu, viveu e jamais verá, novamente, a mesa açucarada. Todos à mingua sem comemoração.
A festa desconvidou-se. Mesas e cadeiras boiando de pernas pro ar, num líquido verde e viscoso. Pratos emborcados indo com a enxurrada de azedume. Não adoçam a vida de mais ninguém.
Ninguém sabe dizer o que houve. – “Chegou assim de repente”.

E como todos ficaram tão desguarnecidos de gostar e sem a cobertura de mansidão, a calda entornou, para sempre. 

terça-feira, 17 de maio de 2016

Aquele que acredita

Ele tem permissão para ser lúdico, literário e lírico.
Tenha ou não lucidez é grande merecedor de créditos, afinal, é de sonhos que vivem os homens.
Ele crê e isso basta. Tem carta branca para ir além e não há fronteiras que o intimidem.
Papéis em ordem, bagagem leve. É um sortudo, qualquer itinerário lhe cai bem.
Chova ou faça sol é o tempo perfeito.
As ocasiões nunca lhe fazem ladrão, mas um premiado.
Haja o que houver custe o que custar, ele estará por aí, festejando.
Às vezes custo a crer que ele exista.


Homenagem a João Victor

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Porque os pássaros não escrevem suas memórias

Pés no chão, cabeça não nas nuvens. Olhos em riste, em guarda. Ora para frente, ora para baixo.
Esses são os homens. Cheios de memórias. Memórias de pedras, de obstáculos, de atoleiros e de abismos. Do que era pra ser, do que não foi dito, do que não se deu e de ser esquecido.
Lembranças malditas do cara a cara, do dar de ombros e do dar as costas. Um simples toque e o rés-do-chão emerge.
Dominando a escrita pelos idos do ano 3000 a.C., escrevem anamneses amargas.
Já os outros, outra espécie, alados, tocando o chão em raríssimas ocasiões, conhecedores de toda copa de árvore e de plainar sobre as nuvens não escrevem. Não gozam de liberdade vigiada. Não juntam em celeiros. Não têm cérebro avantajado. 
Voam e cantam isso sim. Aceitam todas as estações e ocasiões.

Completamente baldos de amargor, não têm nada a declarar.