sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Bom dia

- Por onde começar?
Bom dia! E lá vamos nós outra vez.
- Para onde? Para o trabalho.
- Por quê? É, este “a esmo tem que acabar”.
- Por certo! Mas como?
Boa pergunta, tem resposta, tem. Não é mais um dia, é mais um começo. Não é a revelia, é por decisão, é com certeza.
- Onde está escrito isto?
No início do filme, que se diz já ter visto. Bem lá na abertura. Um belo roteiro, com princípio, meio e fim. O dilema é que o fim fica no caminho, trancando o peito, engolindo a história. Desse jeito o ritmo da ação se regula pelo medo do “the end”.
Por certo a melhor parte da película é o início e o desenrolar do enredo. O fim está para ser escrito. É bom começar do começo e recomeçar sempre.
Propenso, decidido, capaz, sem medo. Quer um final feliz?
Bom dia!



terça-feira, 25 de novembro de 2014

Dias melhores virão

“Não haverá, não”. Pensava meu coração. Enquanto a vida corria, eu me parava.
Não sentir nada era o meu bordão. Não ser de um grupo, não pertencer, eu queria era sumir num rabo de foguete.
Mas, ao contrário fui ficando. Enquanto eu ficava, a vida corria. Ela era sempre a mesma, e eu, em ebulição. Aceitação zero, tentava somar, mas tudo diminuía.
Fechava os olhos naquela desolação e fingindo e ofegando, fui pegando o que a vida oferecia.
Um dia, me dei conta de que havia muito para dar conta, e sim, eu tinha o que fazer.

Fui dando conta de tudo, um dia depois do outro, e certo dia, vi surgir como um label, embrulhando minha noite para ser entregue na manhã seguinte: “dias melhores virão”.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Pistas de si

O lápis caiu. Rolou para o canto onde ele não alcançava. O laboratorialista desistiu de tentar se enfiar entre a escrivaninha e o frigobar vermelho. Sem canetas que escrevessem, sem rede, precisava, desesperadamente, do instrumento de grafite para anotar a fórmula que comporia o relatório cobrado para ontem.
Sua sala de trabalho era seu esconderijo. Desaparecido no laboratório dava conta de toda demanda, até não darem conta dele. Pensar, anotar, memorizar era sua rotina, olhar, nunca. Ver em volta, nem que fosse uma pequena espiada naquela maravilha de árvore que se espremia nas vidraças só para lhe chamar a atenção, não, certamente, não fazia parte de sua atuação.
Nesse dia fatídico, a chuva insistiria em mudar toda história do patologista. Batucava de mansinho na janela, fraquinha, a princípio, decidida depois.
Nunca olhara, mas, agora olhava extasiado, sem movimento, sem fala. A chuva inundou seus pensamentos. Continuou escorrendo pelas vidraças, pelas folhas, parecia que lavava o dentro dele. A fórmula se esquivou e se encolheu num canto, feito o lápis. As palavras, seus bordões empilhados, começaram a escorrer- lhe peito afora: desconfiar, bem escondido, tudo vai mal, jamais, não eu, não faz sentido, não é lógico.
Ele amoleceu feito água.  A partir daquele instante, quis deixar pistas de si. Quis ter face book, twitter, inventar versos e músicas, quis ser roqueiro. Os olhos rasos d’água continuavam embevecidos com o fenômeno divino.
As batidas na porta fizeram voltar-lhe o raciocínio, a fórmula, o relatório, o tino. Por um breve momento, compreendeu ser cúmplice e vítima de um assassinato.
Atendeu a porta, entregou o documento incompleto e voltou a se enfiar entre o frigobar e a escrivaninha, vermelho.



terça-feira, 18 de novembro de 2014

Leões e cordeiros

Não apareceram para o salvamento. Insistiram na vingança. Mas dia virá em que de muito custar fazer doer, se renderão.
Cheios de marcas se alijarão das correntes, não tão mansos, talvez mais mancos, mas prontos para depor as armas.
Últimas palavras serão ditas e pródigos filhos serão bem-vindos. Haverá silêncio e esquecimentos e ventos que afastarão as ações custosas e tristes.
Haverá prantos, abraços e o salvamento será a rendição de todos, de qualquer parte.
O que lhes custar valerá. O que lhes derem bastará. Os acordos que fizerem bastarão.
E se deitarão lado a lado.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

PECADO MORTAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA

Não tem apelação nem em Brasília. Não há a quem recorrer. É condenação ao inferno no sétimo dia. Arrisque pra ver!
Passe direto, de cara emburrada, por uma criança que te cumprimente com seus olhinhos sorridentes. Duvide, quando o moço, na bilheteria do cine te diz: “bom filme”.
Não aceite uma bomba de chocolate da Copenhague. Deixe sem um sim o convite de aniversário do amigo que você não vê há tempos.
Permaneça no sofá, quando a melhor banda, aquela que você adora, está em sua cidade com entrada franca.
Francamente! Você já deve ter percebido a jogada. É pecado mortal de última instância não viver, não conviver. É pecado mortal não ser feliz. Deve ter percebido, também, que ir ao inferno no sétimo dia não é morrer e conhecer o diabo, mas, é não ter alegria na alma.
Vou deixar bem claro que não estou aqui a serviço de uma doutrina religiosa, mas, a serviço do bem estar de qualquer coração. Olhe bem a sua volta, não vez por outra, mas sempre e veja o que o dia te oferece. Não fique dentro de si, com medo de “lá fora”.

Dê um pulinho na vida, nos outros, porque aceitar-se deprimido, contido, espremido é pecado mortal de última instância. 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Todos

Têm perdão e segunda chance e o condão de decidir.
Têm irritação, malquerença e solidão.
Todos têm deveres de afeto e saúde.
Todos têm direitos de dizer sim, de cooperar, de sorrir, de elogiar, de conceder e de arrefecer.
Todos são grandes por fora e pequenos por dentro, e quando pequenos por fora, também são liliputianos por dentro.
 Todos são santos e insanos ao mesmo tampo e levam tempo pra ficar num só perfil.
Todos são todos e individuais. Estando no mesmo barco, fazendo água e se ajudando com latinhas.
Todos vão ao sabor da maré, até certo ponto, e tomam pulso e direção de supetão.

No fim, somos todos irmãos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

“Não tem de que”.

Não agradecidos estamos todos nós, pelo sol, pela lua, pelo ar e até mesmo pelo imenso mar.
- Não, não basta! Dizemos nós. Então precisamos de mais o que?
Cãezinhos, gatinhos, flores, pássaros multicores? – Não basta!
Um pai, uma mãe, dados, emprestados, achados? – Não basta! O que?
Gentilezas jamais sonhadas? – Não basta!
Um sim de primeira, no dia da maior necessidade? – Não basta!
Um beijinho nos olhos cansados de tanto enxergar o que não se quer ver? – Não basta!
Poder respirar ar pelo nariz? Ser gente? Ter mil oportunidades de ser feliz? – Não basta!
Ter um ditado popular que corre a solta pelo mundo; “A esperança é a última que morre”? – Não, não basta!

Assim sendo, sinto muito, nunca ouviremos o criador a nos responder; - “Não tem de que”.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

É assim que te mandam para o mundo

É assim que te mandam para o mundo, hein? Sem carta de recomendação, sem guia prático, sem perguntas, sem teste vocacional? É já podes berrar.
Mas há uma compensação, você tem algumas pistas. Acalma-te, veja na lista: não entre em fila – não fale com estranhos – não dê a outra face.
E é bom prestar atenção, também aos adendos aconselhantes: “Fica bobo aí que jacaré de abraça”. “Olho por olho, dente por dente”. “A vida lá fora num instante de devora”.
E sem mais delongas, você está dentro.
Dentro do jogo, no bojo do mundo. Você é um presente de grego e a vida é o Cavalo de Tróia. Abre-se e você sai. Engatinha, tenta os primeiros passos, caia, levanta.
E mais chavões e menos chaves. Você suplica, quer dicas, explicações. Procura na escuridão da incompreensão. E passa o tempo e o tempo passa.
 Um belo dia, você percebe que já tem um GPS. O eletrônico de dá todo serviço, agora você pode sossegar. Afinal, depois de muitas ilusões e escoriações, fica perfeitamente claro que:
“Só lobos caem em armadilhas para lobos”.
“Quem com ferro fere com ferro será ferido”.
“O acaso vai te proteger enquanto você andar distraído”.
E finalmente, “que o amor tem feito coisas que até mesmo Deus duvida”.
Enfim, é isso, é assim que você veio para o mundo, para o que der e vier.