terça-feira, 31 de março de 2015

Agora, você vê, agora, você não vê.

Abracadabra! A cartola estava vazia. Abracadabra! O coelho não asfixiou, saiu saltando perdido.
Abracadabra! A mulher pareceu sorridente e segura, não estava cortada ao meio. Um prédio aparece, assombra e esvanece. Pássaros multicores se libertam de uma gaiola dourada, da qual as barras desaparecem e veem-se a voar em meio a cortinas de veludo vermelhas. Pessoas são elevadas no ar, assustadas, mas logo estão seguras no chão.
Agora, você vê, agora, você não vê e ao contrário. O ilusionista percebe a alegria nos corações e mais abracadabra. Ele não promete, ele faz. Suas mãos deliram com gestos de misancene.
A plateia descortina tanto do impossível que inebriadas garantem sair dali mais confiantes, afinal a vida é um truque. Agora, você vê, agora, você não vê.

Abracadabra, o condão está com você.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Amor com artigo definido

Amor com artigo definido é suntuoso. Transfere a humildade pra lugar ignorado.
Toma posse do bem com registro e escritura definitiva. Senhor da Terra acredita ser essa um bem inestimável. Que deve ser de usufruto, nunca vendida ou negociada por baixo.
O artigo lhe confere uma comenda, uma espécie de sagração, com direito a espada e rainha. Rege soberano e não absorve ofensas. Sai ileso sempre, e em corte é declarado inocente.
Vai onde ninguém foi e onde, jamais se pensou que pudesse ir. Espraia-se a regiões distantes, e é como coração de mãe abarca a todos.
Presume-se ser artigo de luxo, mas frequentemente, está tirando alguém do fundo do poço e do lixo. Definido nas formas mais singelas: num olhar, num cumprimento, num abraço. Definitivo, então, no pedaço de pão, no abrigo. Artigo, enfim, de primeira necessidade.

-“Pode me passar amor com o, por favor,”.

terça-feira, 24 de março de 2015

O script

As mãos dela estão muito trêmulas, meu Deus! Como vai conseguir segurar o script? Anda de um lado para o outro, falando em voz alta, mas não memorizou tudo, não, recorre ao papel toda hora.
As palavras não entram em seu ângulo de visão. Mãos trêmulas e lágrimas, lágrimas pingam borrando as palavras. Será do roteiro? Ela joga o papel na mesa. Senta-se no braço do sofá e chora sem parar.
O papel voa para o chão, ela tateia em vão, por cima da mesa. Recompõe-se, ergue a cabeça, como se a inspirar inspiração. Ajeita o vestido e procura o script, no sofá, na mesa, no chão.  O bendito papel se esconde no canto do camarim, borrado, molhado, sem servir.
Ela não se dá por achada, repete as falas e, agora, ri. -“Se está no roteiro ou não, daqui para frente, vai ser assim, só improvisação”.
Deixa o camarim, sobe ao palco. Já no texto, com cacos, risos, lágrimas, tem uma determinação: vai agradecer a plateia, no fim, batam palmas ou não.

Igualzinho à vida, sem script.

quinta-feira, 19 de março de 2015

A porta

Era de cedro, novinha. Não rangia, não batia nem emperrava. Brilhava. A maçaneta de cobre a toda mão se adaptava.
Abria, o homem saia e ia se embriagar. Fechava, depois que o filho entrava doido pra descansar.
Abria, a empregada saia e ia se libertar. Fechava, depois que o neto chegava e ia a casa alegrar.
Abria, a avó saia e ia presentes comprar. Fechava, depois que a filha entrava e ia pro quarto chorar.
Abria, todos os amigos entravam, para lá dentro, festejar. Fechava, depois que todos chegaram para a alegria ficar.
Um dia, abrira e ficara escancarada, sem mais abrir e fechar. Abrira e todos saíram, um, para nunca mais voltar. Ficou todo dia entreaberta e à noite, veio a fechar, depois que todos entraram, para manter a tristeza lá. No dia seguinte, sem mais abrir e fechar, não via o sol nem a lua e esperou vários dias, pra voltar a trabalhar.
Abandonou a alegria e passou a desenvernizar, a maçaneta enferrujou, desistindo de brilhar. Mas, depois de algum tempo, um homem esteve por lá, fez ajustes fez acertos e a porta voltou ao velho ofício.
 O sol deu uma espiada, a lua ficou contente, e a porta, a porta resplandecente, continuou reverente à sua missão de fazer sair e entrar toda gente.
(Humilde homenagem-lembrança ao “poetinha”, Vinícius de Moraes).                   



terça-feira, 17 de março de 2015

Parar de rolar

Não como as pedras, eu tendo a acomodar. As primeiras rolam, apuram-se, viram seixos. Eu rolo, não quero virar seixo, não me aprumo e crio limo.
Quisera tomar rumo, não criar limo e, sobretudo, parar de rolar.
Não como as pedras que neste movimento, sabem de tudo, mas como o homem, que quando rola, é porque não sabe de nada.
Queria, mas não consigo, falar no verbo presente que faz e acontece, aqui e agora.
Quero, mas não tenho o eixo e sem prumo topo com pedras. Tropeço, caio, rolo, me queixo e rolo de novo sem conseguir me depurar.

Não sou como as pedras, e juro por Deus, tendo a acomodar.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Hold on, too tight!

I hold on to this moment of joy, too tight. Not as if it was going to finish in a flash, but as it was, for sure, a right.

Joy smiles at me pointing out people with their joy as well. It makes circles around me, taking my eyes into rooms well arranged. Into good dreams. Through skies, sometimes sunny, every now and then, cloudy.

Joy keeps getting me across bright leaves that shape incredible trees. It inspires my chest as if there was no sorrow. Hits my brain, claiming for belief as it was a duty.

This fantastic feeling shakes my whole body, as well as, my holly soul, expelling all obscurity and hollow, fulfilling the total structure of me with smiles.

I hold on too tight to this moment of joy. Wishing, desperately, it could be forever. 



Gregos e Troianos

Os bélicos, quiméricos e utópicos cismaram.
Voltaram, encontraram a Terra, ainda, em guerra.
Quimeras.
Aos prantos, os bélicos, utópicos decidiram não mais sangrar.
Já velhos cansados e sábios pensaram poder parar.
De guerra, de ódio, de força bruta.

Agora, só querem, tão firmes e pródigos, a paz.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Desmancha prazeres


Içamos as velas, rumo ao inventado, ao melhor do que isto. Sinceramente, não nos importa muito a chegada, mas é urgente velejar para fora daqui.
É lindo nosso veleiro, e como o vento está pra peixe, vamos indo bem veloz. O mar, todo azul, nos convida, mas não vamos mar adentro, velejamos pela costa. Vemos tudo que é praia, tudo que é verde e nada nos atrapalha.
O brilho, as cores, as possibilidades e o prazer parecem eternidade. Nas praias não aportamos, só passamos en passant. Mas dá para saber que toda música de roda, toda história de infância, tudo acontece por lá. Parece que veloz não combina com ver de tudo, mas no velejar inventado combina. A velocidade nos faz atemporais e nos liberta trazendo tudo bem perto. E saboreando, por tempo suficiente cada coisa, tudo é na hora exata, sem ansiedades, sem perdas.
Está sendo muito bom velejar num sonho privado e possível. Se é só um sonho? Que importa! Algum filósofo já levantou a questão de não sabermos ao certo se a verdadeira realidade é esta dos sonhos, ou a de quando estamos acordados.
Então, o que vale é que conseguimos atender nossa urgência de dar o fora para o melhor do que isto.
Mas, epa! Alguém nos chama. Ah, o que? É hora de trabalhar?
Ok! Vamos recolher as velas, desmancha prazeres.





quinta-feira, 5 de março de 2015

Tic-Tac

Horas que passam inexoráveis e velozmente. Horas constituídas de minutos e segundos que assustadoramente, somam a eternidade.

Horas que passam num piscar de olhos, quando gerenciam um prazer e que parecem uma eternidade na “pronta entrega” da dor.

Velamos à cabeceira, horas a fio, damos remédio de hora em hora e levamos horas em filas.
Ora, ora, ultimamente, vivemos contando as horas para as férias, para o fim do ano, para um encontro e, entretanto, as horas nos escorrem pelos dedos. Quando damos conta, já é a hora de chegar no emprego, e já perdemos a hora do médico. Alguém vai ter que esperar, é hora da academia, e a hora do happy hour?
A hora de “só pra mim” vai ficando horas na fila egoísta de espera.

E as horas se vão, correndo aflitas, nos levando ao encontro do fim das horas, cada vez mais rápido.

Vão guardando um segredo que, de hora em hora, nos sussurram ao ouvido: “achem tempo para amar”.

terça-feira, 3 de março de 2015

Quem era eu?

Nas fotos, eu não me achava. Na família, eu não estava. No colégio, não me formara.
Afinal, quem era eu?
“Hoje, só com meus problemas, rio muito, mas eu não me iludo”, preciso de pistas sobre meu paradeiro. Capturaram-me sem deixar vestígios.
Para chegar aqui e ser quem dizem que sou eu preciso saber: pilotei um avião? Ingressei na Cruz Vermelha? Fui criada do rei de Roma?
“Teimosa, mandona, calamitosa”. Sei não. Coço a cabeça, faço anotações, depois comparo e nada.
Não me conheço por fora e por dentro, por dentro é todo um labirinto em que o Minotauro, sou eu.
Vou por um anúncio no jornal, na lista de “desaparecidos”, não, talvez, na de “achados e perdidos”.
Talvez, o melhor seja o “boca a boca”: quem sou eu, você pode me dizer?