terça-feira, 30 de dezembro de 2014

SUSPEITAS (ou RUAN, HERÓI OU BANDIDO)

 Suspeitas são flashes provindos do “inconsciente coletivo”, segundo Jung, que quase sempre, colidem com seu eco na realidade individual. Suspeita-se, e não muito tempo mais tarde, confirma-se. Um princípio religioso e outro judicial apressam-se em demolir a teoria acima. O primeiro diz que não se deve julgar e o segundo que todo indivíduo é inocente até que se prove o contrário.
Acostumada estava eu a seguir os dois preceitos, até que uma circunstância assustadora me empurrou para o caminho do pecado e dos fora da lei.
O rapaz trazia sempre um ar destemido, um ar de herói. Estendia-se correto, esguio, ostentando um label de “confiem em mim”. Não sei por que, lá pelas tantas, apareceram as suspeitas. Eu tentava pinçar o evangelho, a justiça, mas elas continuavam lá, insistindo, caluniando.
O tempo passou. Não muito longo. Os fatos se desenrolaram. Não muitos. E a verdade confirmou minhas suspeitas. Não era herói coisa nenhuma. Meu ego inflou-se, acertara em cheio. Porém, o susto e a desilusão eram maiores que o sentido de mérito.
Agora, conhecendo alguém, lisonjeada pelo sucesso e habituada ao vício, lanço mão do inconsciente de Jung, mas, por via das dúvidas, evoco o preceito religioso e o judicial.

Evito um veredito e dou ao “culpado” o benefício da esperança. A esperança de que suas virtudes provem o contrário.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O inacreditável futebol clube

O rei foi deposto. Os vassalos assumiram a festa. E, agora, é preciso tirar a espada da pedra. Um reino sem rei, não tem lei.
O Brasil, um reino que reinava como um rei segurando seu cetro. Apoiando-se suavemente na esfera no topo do objeto em questão. O cetro que apresenta o rei como “sua majestade”. Sem cetro, nada de imponência. Sem a esfera ornamental no topo do corpo cilíndrico, não há estabilidade, nem monarquia.
O Brasil reinava com a mão sobre a esfera. Então, o rei sumiu. Como em “O príncipe e o Mendigo”, deve ter escapulido para trocar de ares. Na hora da festa, ninguém soube ninguém viu.

O reino perdeu a mágica. A espada permanece na pedra, fincada, esperando um encantamento. Esperando um rei encantado, que talvez, não mais se apoie na esfera do cetro. Nem sobre a espada. E, certamente, que não precise se apoiar, mas que apoie seu povo.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O nascimento, um menino, a mãe.

Doce de mãe é calda escura no fogão. Cheiro de mãe é doce de calda. Mãe é um doce caramelado estendido na mesa de domingo.

Domingos são mães estendidas para se relaxar, confiar. Mães são domingos, no meio da semana.

Presença de mãe é sempre, mesmo quando ela não está, mesmo quando ela não é, mesmo quando não se quer.

Calda de mãe é cheiro impregnado no ar.

Mãe faz o pai, mãe faz que faz. Faz doce, faz paz, faz a mesa e desfaz.

Nada preocupa quando mãe está, quando mãe é.


Mãos são mães que asseguram o andar, o fazer, o ninar. Mães são mãos que jamais deixam pra lá.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Seguir o padrão

Entra, sai, bom dia, boa tarde. Pelo sim pelo não, nada vou dizer.

Negócios à parte, esta é a minha parte. Sim, o que é melhor para mim. Quem se importa?

Estou nisso a séculos, ai de mim! Digo não sempre, e só dizem não para mim.

Só um instante, hum… acho que não, acho que já ouvi uns “sim”.

Pensando bem, já fui tratado com surpresas. A surpresa de não valer “meu quinhão primeiro”.

Um menino, de cinco, já me pediu desculpas. Alguém já me disse ter descansado bastante e que eu podia sentar. Morri!
Já pedi informações e fui prontamente, atendido, com um sorriso. Quis falar de mim, uma vez, me ouviram sem críticas.
“On second thoughts”, como dizem os ingleses, já é tempo demais jogando segundo as regras do jogo, talvez devesse inovar.
“Go crazy” para ver no que dá.
Gritarei pela diferença, pela deferência. Não mais entrar e sair, acho que vou ficar.

Acho que perguntarei “como vai?” e esperarei a resposta.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Síndrome de Estocolmo

Ela foi sequestrada. Desligada da ambientação amada. Calada, ameaçada e foi pouco a pouco tecendo admiração.
Mudou de lado, quis ficar do lado do sequestrador, um deus que podia lhe tirar tudo ou tudo conceder. Escolheu não ser machucada. Confusão por confusão, pinçou a aventura e não a rotina.
Olhara bem nos olhos de quem lhe oferecia o pão, na cela, com uma das mãos e com a outra lhe atava a mordaça. Jamais esqueceria os olhos, jurou, mas esqueceu.
Um dia, aparentemente, novos olhos a seguiram. Fingiam, tramavam e capturavam. Ela cedeu, aprisionou-se, concedeu.   Noutro dia, os reconheceu, eram aqueles mesmos olhos, torturadores, sequestradores, e ela emudeceu.
Alguma coisa estranha se passava em suas entranhas, uma náusea, um medo e ao mesmo uma vontade de ficar, de comer à mesa, de dividir o pão.
Ia definhando, já não queria comer, já não queria ficar, mas, estranhamente, não conseguia correr.
Atada, amordaçada, vendada longe de toda afeição de verdade, só, com um carinho pré-moldado, fictício comprado em liquidação, mas não conseguia correr.
Quando dormia tinha um sonho: uma porta escancarada, uma longa estrada. Quando acordava, cansada e com a circulação agitada, percebia, no sonho, ela conseguia!!!


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Crer para ver

Tecnologia de ponta! Que nada! Cadê a ponta que não se vê?
Assim sendo, ficamos acertados, ver para crer não faz mais sentido. Crer para ver é a regra do jogo. Sem ponta, sem desenrolar e tudo está lá, para se ver, ter e tocar. Na rapidez do “penso, logo existo”.
Sem incertezas, sem dúvidas, só mouse-pad e touch screen . Tudo está ao alcance de todos, onde quer que estejam. Alguém pensa, crê e é.
Hoje em dia, o mar não está para os cínicos. Quem lança a rede na fé, pesca o céu da metáfora que está à mão dos olhos que não veem.
O Coringa, o AS no jogo de existir é fiar-se. Só existe quem se fia no coração a bater e no cérebro a pensar. Só escapa quem se fia nas pernas a correr. Só tem aquilo que quer aquele que crê antes do acontecer.
De créditos em créditos é que a vida se enche de rumo e beleza, mas, jamais, de blefes em blefes.



terça-feira, 9 de dezembro de 2014

“Vós sois deuses”.

O anzol bem leve balançava no ar, por segundos, sem conseguir a pesca. O homem insistia. E mais uma vez, o balé estranho do anzol encantava quem assistia.
Mais uma tentativa, e lá se foi o anzol, parou quietinho na ponta da toalha e fisgou o objeto, direitinho.
 O homem resgatou a toalha do telhado da sacada do prédio vizinho.  Radiante e sorridente, sob os aplausos silenciosos de outros homens, que em outras sacadas, ensinavam pipas a voar.
Sua pesca estranha era a vitória do engenho sobre o desafio. Pensou, organizou e concretizou, como um Deus a criar. Os outros homens, que rendiam suas homenagens ao pescador insólito, também eram especiais. Faziam voar e comandavam o bailado das pipas, simplesmente divinos.

E então, o homem voltou para a sala, com seu peixe e seu segredo: “Vós sois deuses”.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Publique-se

Multiplique-se o bom ato, o bom hábito, o bonito.
Certifique-se com atestado, o consenso, o de bom senso, a sensibilidade.
Duplique-se o esforço, a elegância, a sinceridade, a fraternidade, a sonoridade do incentivo.
Silencie-se a crítica, a ferida, a perfídia, a intriga.
Justifique-se, sim, por que não? Quando da palavra torta, da incoerência, da negligência, do descrédito.
A alforria, a alegria, a vocação, a homenagem, o “vá com as bênçãos”...

Publique-se!!!!

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Não devo lembrar

Da poça que fez questão de fazer maremoto sobre mim. Do carro que não encontrou outro espaço para passar. Do dia que decidiu ser dia de tristeza. Da confusão, da escuridão, não, não devo lembrar.
Esquecer como, mas devo, de dias de humilhação. Da hesitação que rege com a batuta em riste a minha ação. Da imensidão que insiste em ser nada dentro de mim.
Olvidar eu devo, a falta de ouvidos para abarcar a intuição, o caminho. O dever não cumprido. O cumprimento que não veio. O abraço retido e o sorriso que morreu a caminho. Do caminho amargurado que bate na porta da casa para fazer via expressa.

 Não devo lembrar, mas lembro de tempos inexistentes como passados e futuro, este último que nem acontece como se deseja e instantaneamente vira passado. Lembro-me disso tudo, mas me esqueço de hoje, do agora, do tempo de fazer por onde não precisar da lista de “não devo lembrar”.