sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Sujeito a chuvas e trovoadas

Sujeito a chuvas e trovoadas, assim estava seu coração. Um aguaceiro já lhe inundava o colo, enquanto ela se afogava em palavras.
Palavras não ditas, mas repassadas por entre os olhos. Repetidas, visíveis e doloridas, tudo ao mesmo tempo.
Quisera não existir, e a memória, também. Quisera ser salva por tudo de bom que estivesse no porão. Que a meteorologia fosse insciente e memórias fossem feitas de boa fé.
Entretanto, estava ali, nadando contra a correnteza e sendo engolida por uma baleia azul.
De nada adiantava ter vencido os trezentos metros rasos, ter um eco cardiograma invejável, nem ser bilíngue, era o fim.

Lembrou-se, então, que uma imagem vale mais que mil palavras. Projetou um lindo céu azul, um bote salva-vidas, seu artista favorito, uma maça, e começou a reescrever suas memórias.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Amigos, como não tê-los?

Na caçada do mamute, você e a lança, sozinho, não dá. É preciso outro para distrair a fera, um amigo.
Na festinha, você convidado, deslocado, é preciso alguém que goste daquela música, goste muito e ache aquela outra chata, um amigo.
Na escalada do Everest, tanto frio, tanta solidão. Na verdade, você precisa de alguém para pensar junto, esquentando a decisão, um amigo.
Quando você descobre um livro, o mais legal, e você precisa falar daquele parágrafo genial, só alguém pode dividir sua euforia, um amigo.
“Na lanterna dos afogados”, você pede “vê se não vai demorar”, só quem pode chegar lá, um amigo.
Amigos podem ser de qualquer cor, de qualquer lado. Que falem qualquer língua, que não falem nada. Podem ser consanguíneos ou que não tenham sangue nenhum.
Podem ser vivos ou mortos, só precisam ser amigos.
Amigos, como não tê-los? Impossível!


O nascimento, um menino, a mãe.

Doce de mãe é calda escura no fogão. Cheiro de mãe é doce de calda. Mãe é um doce caramelado estendido na mesa de domingo.

Domingos são mães estendidas para se relaxar, confiar. Mães são domingos, no meio da semana.

Presença de mãe é sempre, mesmo quando ela não está, mesmo quando ela não é, mesmo quando não se quer.

Calda de mãe é cheiro impregnado no ar.

Mãe faz o pai, mãe faz que faz. Faz doce, faz paz, faz a mesa e desfaz.

Nada preocupa quando mãe está, quando mãe é.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

BOA NOITE E BOA SORTE

Dispensados do dia, lá vão eles para, Deus sabe aonde.
Dispensados do azar, ávidos por sorte, eles vão para além dos limites da imaginação. Libertos, de liberdade vigiada, encarceram-se em cômodos escuros. Uma sonoridade duvidosa os envolve e imersos em líquidos fugazes, se dissolvem em ninguém.
Sem endereços e cheios de adereços, jogam valendo uma moeda estranha, esperando por uma paga que não vem.
O tempo, sujeito a chuva e trovoadas, desmancha o brilho da noite imaginada. A mesma meteorologia é prevista no lado de dentro dos dispensados e opacos no íntimo saem dos cômodos de mãos vazias.
O dia retorna, eles retornam, então, engajados em Deus sabe o que.
Acreditam-se murchos e azarados, cambaleando sob o sol. Focados no movimento de rotação, dispensam a luz que há no dia e o engajamento os dispensa.

Então, quando a lua se compromete com o céu, mais uma vez, pedem a Deus uma boa noite e boa sorte!