terça-feira, 23 de agosto de 2016

Nenhum lugar

O espaço a perder de vista.
Nada à vista.
Plantas queimadas, com suas mãos estendidas a pedir socorro.
Tudo em névoa.
Tudo em nada.
Invisibilidade, lei vigente.
Gente sem gente por dentro.
Teto sem teto e sem porta.
Livre em lugar nenhum.
Árvores falecidas por morte súbita.
Cenário plácido e insistente, até que o rei Bóreas e a rainha Aurora decidem chegar pelos ares.
Por cima de vegetação ressequida, morta, mortinha por um raio fulminante, instalam uma cozinha para o preparo de seu repasto.
Prédio assemelhado à imensa abóbora moranga, em feitio e não na cor. Branco, branquinho ressaltava agora da névoa que, desde a chegada dos reis, permanecia translúcida. 
Por dentro, ah, que magnífica cozinha. Caiada a gosto de uma realeza cheia de simplicidade. Narcisinhos amarelos enfeitavam-na e o por fora era logo esquecido.
O repasto? Ah! Dos Deuses.
Nenhum lugar virou recanto aprazível.
Logo, a aurora boreal encantou o desastre. A hecatombe, subjugada por ela, desencantou o inferno, e comemos e bebemos com os reis.
Gente, agora com gente por dentro acariciaram as plantas fênix e estavam em casa, finalmente.


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Depois da tempestade

Torrencialmente, palavra de tempestade, mas pode ser de chorar.
Troava o trovão, redundância, não pra dor. A dor troava, é a mais pura verdade.
Virá a bonança, mentira, eufemismo, utopia.
Depois da tempestade, os destroços boiarão nas águas que alagarão a cidade.
“As tempestades são tempestades, não é possível abrandar a ideia”. Cismava ele revoltado com tanta lama, tanta faísca. O som do caos não se assemelhava ao tamborilar da chuva na vidraça.
Por certo, depois daquela madrugada haveria mortos e centenas de desabrigados. Ele, por certo, estaria morto e desabrigado.
Sabia que um raio sempre cai duas vezes no mesmo lugar.
Jurava que depois da “última” estaria vacinado e curado.
Que nada, nem nadar aprendera, e naquele instante batia, repetidamente com a cabeça numa pedra fincada contra a correnteza.