quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Lívidos e vívidos

Abriram os olhos.
-“O relógio não despertou”. Tinham dormido demais. –“Mas, enfim, um sonho a mais não faz mal”.
Imprimiram a força habitual para se por de pé, mas o máximo que conseguiram foi arquear o tronco e ver as próprias pernas.
Estavam brancos demais, nus demais. Envergonhados, olharam em volta e aí, perceberam, estar eles, completos estranhos, num mesmo cômodo. Lívidos, nus e unidos, talvez, num mesmo pesadelo. Entretanto, sabiam estar atrasados para alguma coisa...
Perceberam: -“Era para a vida”!
Entreolharam-se, participando do mesmo pensamento. Levantaram-se da maca fria e se reuniram no centro do recinto. Pensamento com pensamento, chegaram a um consenso: estavam mortos! –“Então era assim”?
Decidiram ver no que dava, o mistério já não era mais mistério. Para onde agora? Não era mais para o trabalho, para o quarto de casa, nem para o shopping. Sabiam.
Entreolharam-se e de novo, os pensamentos consentiam, estavam nus demais e lívidos demais. Para onde quer que fossem, teriam que estar apresentáveis. Vestiram-se num piscar de olhos.
Sorriram. Aprovaram o estilo. Poderiam ir agora. Não tinham medo, nem angústia, nem complexos. Para o encontro marcado, com quem e onde quer que fosse, estavam prontos.

Lívidos, porém, Vívidos!

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O fino da bossa

O fino da bossa é, ou seria, sabe o que? Deixar o coração vaguear, vaguear não, surfar, nas ondas do mar. Cheio de frescor e espuma. Cheio de valentia, mas mole, flexível, respeitando a lei das pranchas, pra pegar as ondas, nos dias de domingo.
O uso do termo antigo, lá no começo, é intencional e direcionado para definir como o coração deveria se sentir, naquele tempo da nova bossa. Claro que sem rojões, bandeiras, nem pressões, nem cadeias. Mas, sim, dissonante, itinerante e cheio de sucesso.
Lá vai o coração, no domingo, no parque, no cinema, na varanda. Sem pulos, nem saltos, balançando na rede lembrando-se da flor, do muito obrigado! Pode entrar! Bom filme! Isto é seu?
Bom trabalho! Sem ais, sem senões, sem cifrões.

O coração lembra-se do cardiologista a recomendar finas emoções e se sente satisfeito. “Alegria batendo no peito e o radinho tocando direito”. E lá vai ele, às três da tarde, no domingo, se sentindo o fino da bossa.

sábado, 25 de outubro de 2014

Que venha

"Porque hoje é o dia do Teatro, aí vai uma postagem fora de hora, mas espero que bem-vinda".


Que venha a Arte para fazer o homem levantar-se e ereto, usar as mãos para criar.
Que venha a Arte para projetá-lo das trevas para o amanhecer.
Somente, a Arte para fazê-lo soltar o pedaço de seu semelhante. Só a Arte para livrá-lo da fixação.
Que seja a Arte, bem vinda, para movê-lo do fundo à tona. Para lembrá-lo de voar, seu direito perene e inalienável.
Oh! Arte venha e faça o homem compreender que é divino, por excelência. É leve por natureza. É belo por criação.
Venha Arte para socorrê-lo, quando aflito e choroso dando-lhe a opção do riso.

Empunhe sua espada para sagrá-lo bem aventurado, pra sempre. E para o homem descrente, insolente, venha, mesmo que seja, somente, para desopilar- lhe o fígado. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Cair em si

Leva algum tempo, depois das mordidas, do soco no olho, da carta anônima, da intriga, do falso testemunho, mas chega o dia da queda.
Quedar-se, cismar, repensar, cair em si. E quanto maior a árvore maior o tombo.
Aí, bate certo medo de costelas quebradas e de crânio rachado. Certa aceitação da dor merecida. Mas que nada, é tombo no macio.
Na maciez da mente em paz, cheia de júbilo em se prestar a reparar.
Na suavidade de um coração inchado a se desvelar para ajeitar o mal feito.
Na fofura do íntimo aveludado em reconhecer poder fazer melhor.

É queda livre de uma consciência pesada que resolve um salto sem paraquedas, sem ego, sem orgulho. Livre, leve e solta. É muito bom cair em si.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

MILAGRES

Esteja no escuro, desejando, sonhando, num lugar só para você. Cheio de tudo que você admira. Céu azul claro e azul marinho. Estrelas a valer e lua a velar. Máquina de esparramar confetes. Frigideiras fritando sonhos. Vestidos de organza amarelos com bolinhas brancas em alto relevo. E mais o que? Palhaços de circo mambembe? Sim, pode ser. Filmes e pipoca. Florezinhas difíceis de pegar, em jarrinhos brancos. Livros e mais livros. Balões de gás suspensos no ar. Pessoas confidenciando sonhos.
No escuro, ao deitar, todo milagre é possível, até mesmo os assombrosos. Feche os olhos e tudo acontece e “desacontece”, aparece e desaparece. Gatos com garras afiadas, túneis intermináveis iluminados à luz de vela, caras e bocas gritando te esconjurando e nuvens negras abaixando, abaixando e devorando seu quarto. Mas, espere não tenha medo. Quando o milagre desarranja é possível desfazê-lo.
 Você pode resolver os assombros como por milagre. Com poucos raios de sol, as nuvens se dissipam. Com um belo sorriso, as caras feias se apaziguam. Indo, mais um pouco, até o fim do túnel, um lugar belo e aprazível é descoberto. Os gatos viram bichanos, ronronando por carinho.

Conjure que tudo volte ao começo e você estará lá, em paz, no seu quarto. Você e seus poderes. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Pessoas

Pessoas são barquinhos no meio do mar. Ás vezes, aportam cheios de presentes. Ás vezes, vazios, baldos de alegria e de tripulação. O mar de tempestade os arremessa, vez por outra, quebrados em sete paus, na praia.
Pessoas são casinhas com janela azul, vez em quando aberta, deixa-nos ver um cantinho bonito com uma decoração singela, um quadro na parede, um jarro de flores sobre a mesa.
A maioria são casinhas de janelas fechadas, mas, azuis assim mesmo.
Pessoas são mares. De tempos em tempos, bravios arrebentando ondas, em outras temporadas, mansos, calmos, de boa maré.
Pessoas são sal. São deuses. São únicas. São os queridinhos do Criador.

Digam o que disserem, pensem o que quiserem, nós somos o máximo. 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Dia das crianças

Eles esperaram. Estancaram seu folguedo para deixar passar o carro. Bufando, mãos na cintura, chispando pelos olhos, feito oncinhas. Assim que o carro passou, atacaram-se de novo de brincadeira.
Se de brincadeira nos atacássemos. Se bufássemos de brincadeira.
Ah! Se não fosse tudo à vera e negócios de adultos.
Mas não, esquecemos as brincadeiras e jogamos “o matar ou morrer”. Esticados até o limite não soltamos a corda.
“Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo”!
 Reveladas as incógnitas das crianças, equação pronta, pronta está então, a máquina do tempo que nos levará ao devido tempo. O tempo da farra de amar!!!


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Tears for Fears

Nunca, hoje, sempre, ideias soltas, falas descabidas, desarrumação. Fatal, retornam velhos medos, rotas de fuga e somos pegos na contramão.
Voltam antigos hábitos de tremer, temer e fingir ser alguém maior que o maior e melhor que o melhor, só para não ficar de pernas bambas.
Gritar muito e fazer cara de mau, só para não derramar lágrimas. E chorando, se encolher tanto, para que não te vejam sofrer.
É um beco sem saída.
Ninguém te ama e o nada te quer.
Desarrumação pede organização. Como preconiza o Feng shui, arrume as ideias, regule o tempo pela lei de Einstein, peito para frente, queixo para cima e esqueça as fugas. Sem temores, nem tremores. Coragem, conspire para o bem!

Quanto às lágrimas, pode trocá-las pelo medo. As lágrimas lavam a alma e na faxina acolhida é o “grand finale”. “Bem-vindo a sua vida, grite deixe a dor sair, suas lágrimas no escuro, nem sempre se vê”. 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

DEBAIXO DA MANGA


“Voilà”! E tudo é agora, nem passado, nem futuro, somente este instante.
É arriscado tomar posse desta mágica, pois não há como culpar o ontem, nem delegar responsabilidades ao futuro. Pense e é.
Portanto, todo cuidado é pouco. Tudo se projeta, num instante, bem debaixo do nariz, o que se tinha debaixo da manga. A surpresa é toda do mágico.

Pense e é. Faça-se a sua vontade. Você tem direito a três pedidos. Veja bem no que vai pensar. Não espere pelo gênio, pois o dono do evento é você.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O dito por não dito

Enquanto, o dito por não dito fica por isso mesmo, os donos de um coração vivem um Apartheid.  Vivem em regiões baldias, onde o elogio é mudo, a admiração é cega e o coração? O coração autista.
Enquanto, o fardo não encontra cúmplice e o ferimento por dardo não recebe unguento, o coração fica agonizante sem emergência.
Enquanto, a alegria não encontra semelhante, os donos de corações vivem segregados. Mudos e inimizados, a braços com braços vazios sem abraços.
Donos de corações precisam dizer um ao outro o que faz sentido. Precisam deixar de falar demais sobre o que não faz nenhum sentido.
O que faz sentido para corações e seus donos são: ideias, ideais, sonhos e projetos, todos, itens precisando de mútuo afeto.
Estímulos, vivas, brindes, sussurros, é tudo que precisa ser dito.

 Não se pode deixar morrer na garganta o dito que faz sentido dizer.