quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Verei se consigo voltar para o chá das cinco.

Saindo pra caminhar pelos caminhos da China, mergulhando de um submarino no mar do Caribe, penso se consigo voltar para o chá das cinco.
Acho que posso.
Navegar nas nebulosas ao redor de Cocheiro e Centauro, conhecer as estrelas mais secretas e ainda sentar à mesa, guardanapo no colo, pronta pro bolo e o chá quentinho, sim posso.
Sentar por horas embaixo de cerejeiras, claro que no seu lugar de origem. Pensando no Ocidente, lá no extremo do Oriente, chegar a uma conclusão, não perdendo o liga leve pra minha sala de estar e estar lá às cinco.
Penso que posso, e quando penso, claro que posso revirar as gavetas dos castelos da Inglaterra e circular pelos seus bosques.
Mexericar sobre os reis postos e póstumos, e não lá, mas onde canta o sabiá, voltar para o chá, no horário apropriado.
E perguntarão: “por que este costume tão não brasileiro”?

Responderei prazenteira: “essa é a melhor parte de toda esta especulação”.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

E se tudo for só isso mesmo?

E se for verdade que a verdade é nua e crua.
E se no final for mesmo a morte.
E se não valer mesmo a pena tentar.
E se, realmente, “as pessoas não mudam”.
E se depois de tudo for o nada?
E se o nada for tudo?
Mas, se nada der certo e a verdade não doer nem um pouquinho.
Se a solução de continuidade não se sustentar.
Se a lei de impermanência acalentar toda ação.
Se o tudo e muito mais for depois de tudo.
Se tudo minha mente limitada não alcançar e for sempre mais.

Radiante, pedirei licença poética a Sócrates, me lançarei na estrada, gritando, “só sei que nada sei”.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O suficiente

Ele procurou nas gavetas, abriu todas sem voltar a fechá-las.
Escavou por entre as roupas do closet, buracos profundos. Espalhou livros, revistas, caixas, cantos.
Em meia hora, não havia mais lugar secreto e os segredos foram todos revelados.
Se bem, que alguns tentavam encobrir-se.  Sem sucesso, tornavam-se gatos escondidos com o rabo de fora. O que ficou bem claro, sem subterfúgios, em meio a toda exposição de muito, era a escassez de um único algo vital.
Tudo bem, certamente lhe ocorrera a máxima “o que você não tem, você não precisa”.
Ele, entretanto, teimosa criatura, prostrou-se no meio do quarto, sentado no nada. Mão na testa e cotovelo no joelho.
 Sobre a mesa castanha, no canto da janela, o caderno aberto resistia em seu posto. A caneta âmbar, com folhas mergulhadas em seu ventre, permanecia a postos em apoio.
Um vento forte, supervisor de sonhos, instigava os segredos e o caderno a se rebelarem.
A criatura levantou-se, incomodado com o farfalhar das folhas brancas, pegou a caneta com desdém, sentou-se à mesa castanha e desandou a escrever.
O vento silenciou. Os cantos e segredos relaxaram, enfim a criatura encontrara o suficiente.


sábado, 5 de novembro de 2016

Na Terra do Nunca sem nada, de tarde.

E lá se foram os meninos para a Terra do Nunca .
Afinal, tinham jurado não vir a ser o que eram, e agora?
Cansados, muito cansados dos estímulos externos coercivos.
Queriam ser por fora, exatamente o sonho de dentro.
Última chamada, everyone aboard, e esperavam sem volta.
Sorrisos, balas e doces, em lá chegando. Gentileza e fantasia apegadíssimas.
A Terra os recebeu como nunca. Não eram bandeirantes, nem invasores.
Promissores, criaturas sui generis, o orbe tratou-lhes com honras e muito prazer.
Confraternização, conscientização, tudo acertado. Meninos são meninos e não lobos.
Mas um dia, à tarde, bateu a preguiça. Tiraram a siesta.  Acordaram com quase quarenta.
Perceberam que estavam nus, e tão pobres. Sofriam de amnésia.Não sabiam mais quem queriam ser e o que faziam ali.

Assim, sem mais delongas, a Terra “puff” e lá se foi dos meninos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Matem o mensageiro

Levando boas novas, uma bandeira branca ou mesmo entradas francas, o mensageiro corre riscos. Pode ser crucificado.
Mesmo com fala mansa, frases certas e voz modulada, o mensageiro segue com o perigo na dianteira. Pode ser envenenado.
Embora nunca interrompa, pise bem devagarinho, a ameaça se antecipa. Pode ser silenciado.
Prepara que prepara, prevendo feedback, ajusta a conversa, mesmo com causa boa e justa, a mira de tiro está a rondá-lo. Pode ser trucidado.
Cheio de boa vontade, com olhos de utopia, com mãos de devolução, com ombros largos, lá vem o mensageiro. E que dó nos dá.
Um ébrio avant guarde, na corda bamba.
Equilibrando-se nos sonhos, pés no fio da navalha, caminha o mensageiro sem nenhum temor por seu fim iminente.

E os que vai socorrer, indenizar pela vida parca, já gritam, mal o pressentem: “matem o mensageiro”, antes que seja tarde, antes que saibamos o que quer dizer.