quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Pergunte a cem pessoas

Cem pessoas se aprontaram para responder.
 A questão exigia raciocínio, internação. Mas a língua coçava e o que estava à solta na boca saia.
Não pensem que não houve consenso. Que consenso!
Cem pessoas responderam a questão. Enquete aprontada. Ideal estabelecido.
Bandeiras levantadas, teoria divulgada.
Deu-se a derrama. Esparramou-se a opinião.
Só um tiquinho era do contra. Que tolos!
A opinião virou ação. Ação gerou reação. Uma gostosa lei de causa e efeito. Matemática, precisa, sem privilégio ou eleitos.
Cabeças e línguas foram cortadas. A teoria dos cem provou estar errada. Que triste!


Para Lidiane

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Um cão, um gato.

Não parece não, mas é, é da lei, é “de lei” que companhia e afeto não se tenha só de gente.
Vem daquele que se deita na varanda da frente, num ângulo apropriado para esquadrinhar o perímetro, em te esperando chegar.
Vem daquele que, mesmo egoísta e independente demais, enrodilhado em cima da cômoda, cumprimenta ao te ver passar.
Um deles adivinha teu sofrer, teu prazer. Está de guarda, cem por cento, 24 horas e tudo dele é você.
O outro, fica claro, pensa mais em si, mas também, não vive sem você. Espera-te estar perto pra comer. Desliza por entre tuas pernas pra te agradecer. Se pede cafuné nele, é sempre para você. É teu, mesmo que saia e ignore tua aflição quando demora.
O primeiro obedece-te às cegas, segue todas as regras para não te aborrecer.
E quando a porta do carro é aberta e lhe pede para descer, lá vai ele, rabinho entre as pernas, a aquiescer. Depois da “coisa” acertada, obediente e cheio de afeto, se põe a correr de volta, em teu encalço. Cem por cento e 24 horas.
O outro não reconhece “senhor, senhora, senhoria” mas, mais uma vez, o afeto lhe diz que o dono dele é você. E quando a comida e o abrigo lhe são recusado, mia veementemente em frente da casa te esperando atender.
Não parece não mas, companhia e afeto não vem só de gente, vê?



quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Uma mentira por outra mentira

Do lado de dentro uma campainha tocou para ele. Era de alarme.
Do lado de fora ele bateu com a mão e desligou o aviso.
Levantou adormecido. O dia correu cheio de fatos alarmantes e ele alarmado.
Revoltado com tanta improbidade tomou posições, fez levante.
Amotinou-se contra os reinantes, senhores e senhorias.
“Nascera pobre, mas honrado”. O alarme soou de novo.

Ele bateu com a mão, desligou-o e permaneceu amotinado. 

terça-feira, 18 de agosto de 2015

O cotidiano tem trilha sonora

Um dia triste; claridade zero e pelo menos uma missão impossível. Mas, vamos embora que esperar não é saber.
Sem lenço e sem documento invadimos a repartição pública, o hospital, o hortifrúti, o banco e o local de trabalho.
Pedro pedreiro, Maria, Maria, quem quer que sejamos vamos à luta, sem temer a morte.
E num escritório exíguo, numa cozinha de hotel ou no Palácio da Alvorada, todos nós andamos com fé. É que de um jeito ou de outro “a fé não costuma falhar”.
Embirramos, achamos o dia chato, mas sempre passa como mais uma onda no mar.

E continuamos suando a camisa sempre ao som de uma canção, porque com ela, a vida fica muito mais cheia de charme.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Piparotes

São pancadinhas dadas com os nós dos dedos na cabeça. Podem doer.
É um termo usado em histórias de eruditos, um tanto antigas, ilustrando lição que se dava a meninos que precisavam.
Lembranças amargas doem muito. São piparotes na cabeça de meninos que não aprenderam a lição.
Um dia desses, numa história nada erudita, na cabeça de um desses meninos, choveu piparotes. Procurou que procurou doces lembranças que não doessem nada e não as achou.
Revoltou-se, não queria mais levar com os nós dos dedos em sua cabeça. As lembranças amargas insistiram e sua cabeça doía, doía.
As lições não mais as podia aprender, e insistia o menino, em pancadas devolver.
Num dia desses, fustigado e de coração partido, caiu o menino, depois de receber vários piparotes doídos.

 De longe se ouvia os estampidos. 

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O reflexo no espelho.

Clareia-se a tela e aparecem os imortais, cheios de força e poder.  As sessões se revezam, sempre cheias, ingressos esgotados.
O púlpito ergue-se e de lá o interventor derrama esperança sobre os ansiosos. Audiência fascinada.  As sessões se repetem, sempre, cheia de ávidos.
Os portões se abrem e a multidão invade. Sobre a grama verde, heróis se opõem no tablado. Estádio lotado. Gritos presos na garganta, ansiosos pela condicional de pelo menos, uma única vitória. Mil indivíduos e um só desejo individual; êxito, sucesso, triunfar.
De cada evento, a audiência volta para casa. Ora cheios, ora vazios de novo.
Comem, bebem, dormem. Vão trabalhar. Volta e meia, se olham no espelho, sem suspeitar que o herói que foram buscar, ali está.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O seu, o meu melhor.

Sete da manhã.  Acordo. O quarto ainda em penumbra. Cortinas afastadas e a luz se faz.
Embarco nos seus fios dourados. Fio-me nela.  A melhor.
Pretendo muitas coisas, anseio, e então me arrojo. Começa o dia.
Lá vou eu velejar nos acontecimentos. Sujeito-me a chuvas e tempestades. A toda sorte de naufrágio, a conselhos, pressões e abandono.
“A culpa é sua” é meu almoço. “Eu não te disse” meu jantar. Acaba o dia.
Eu, meio desconcertado, volto pra meia luz de meu quarto.  Afasto as cortinas, ancoro pesadamente.  Arrependimentos farejam, me caçam e quando já estão de boca aberta, dentes afiados e salivando, à luz dos fatos, concluo;  -“ fiz o meu melhor”.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Puxa, empurra

Você pensa deter a vida. Então, lá vem ela e te puxa e empurra.
Você pensa em fincar pé e fazer escolhas. E assim, a vida vem e te puxa e empurra daqui pra lá e de lá pra cá. A direção? Não é você que dá.
Daí você não quer mais escolher. Começa a encolher. Encolhe-se daqui, encolhe-se de lá.
A vida vem e te escolhe e estica daqui, estica de lá.
Você não quer ir, quer estancar. Mas a vida acha que estando estanque, nada pode se dar.
E mais uma vez te empurra de lá pra cá. Você resmunga, no canto, enrodilhado, emagrecido, coitado. A vida não acha e vem de puxar.
A princípio, você não quer ir. Grudado no chão conhecido, mareado de tanto puxa, empurra.
Mas indo, mesmo sem querer, você vê: “que lindo lugar”!!!