quinta-feira, 31 de julho de 2014

PROTESTO

O prefeito mandou arrumar a bagunça do protesto. Com esta desorganização não dá.  Vai ter dia certo, horário e lugar pra protestar. Mas, já avisou, também, que Deus o livre de censurar o que você vai dizer, isto é lá, exclusivamente, com você. Ficou, então, uma dúvida: se está tudo tão certinho por que você vai protestar?
“Durma-se com um barulho deste!” Não dá! Mas, vá arrumando um manifesto, palavras de ordem, coisas a cobrar, pois, de ordem o inferno está cheio e o Município não está.
Entretanto, se você medrar e resolver renunciar ao seu gesto, ao seu protesto, não se sinta um João ninguém, vá lá, no horário certo, no lugar e dia certo e cante parabéns, é a ironia que dá.
Não se dê por vencido e creia que “há muito mais entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia”. O que o prefeito está fazendo é pura picardia, mas, se ele admite o direito de protestar, já é um bom sinal de mudança e mudança é tudo o que o céu quer.


Então, agora, já que está tudo certo de que se pode mudar, mude você também e não proteste mais lá. Proteste dentro de si, onde a verdade está e conhecendo a verdade esta te libertará. 

terça-feira, 29 de julho de 2014

Um gárgula

Fico pensando se só eu tenho um gárgula em casa. Se essa figura detestável, que assombra os filmes, os beiras dos castelos, habita só no meu lar. E concluo decidido que não. Um gárgula para cada lar é ipso facto.
Se o dia amanhece bonito, ele desloca-se irritado e sai voejando com suas asas desajeitadas e seu aspecto lúgubre de poucos amigos. Se o dia está nublado ele concorda e se posiciona no meio de algum cômodo, sentado e em paz com cara de dono da situação.
De ordinário, salta pra lá e pra cá, impondo sua cara feia em meio a qualquer vislumbre de nossa alegria. Impede a passagem quando decidimos alguma coisa nova com suas asas escuras.
Como classificá-lo para exterminá-lo? É um inseto, um animal, uma escultura, o elo entre o anjo e o demônio ou uma miragem? Que espécie nova de spray daria cabo dessa fera?
Sabe, sob o costume de seu manquejar, mancamos também, desalentados vez em vez e quase sempre. Sob o impulso de suas asas tolas nossos voos são débeis tentativas de sair do solo, ao qual voltamos sempre, com certo estrondo.
Que espécie de dedetização acabaria com essa peste? Não sei, quanto mais penso, tenho que encarar o fato de que ter um gárgula em casa, já é uma epidemia. O governo deveria tomar alguma medida na área da vigilância sanitária, uma vacina, talvez.
Mas quedo em desânimo, pois o governo está sempre escondendo os índices de epidemia, e a ciência inventa sempre um composto que resolve uma coisa e estraga a atmosfera. Portanto, o jeito mesmo é usar a vassoura.
De vassoura na mão me movo na tentativa de espantar a criatura, que vai mudando de lugar a cada vassourada. Qualquer dia desses, ele se desloca para a porta e num último cutucar... Quem sabe?!!!




sexta-feira, 25 de julho de 2014

O único mal irremediável

E se aprontaram para o Auto.
Jesus estava lá, e lá estava, também, “aquele que não se pode pronunciar o nome”. Chegaram os contadores de histórias. “Aquele que não se pode pronunciar o nome” ajeitou-se, empertigou-se como se a pensar: “hoje é meu dia de sorte”. Acreditava ele que contar histórias era o mesmo que mentir, e como quem mente vai para o inferno... Esfregava as mãos de puro contentamento.
Jesus que conhecia a verdade estava impávido, tranquilo e infalível. Os contadores de história tinham causa ganha, bem o sabia, não precisaria lançar mão de sua santa mãezinha.
Ariano, o contador de histórias de Autos, estava lá, também. Havia se encontrado com “o único mal irremediável que une tudo que é vivo no mesmo rebanho de condenados”. Via se repetir, em frente a seus olhos, a mesma história que um dia contara e pensava consigo que não daria gosto ao “coisa ruim”, nem convocaria a Santa, como conciliadora. É bem verdade, que estava um tanto perplexo diante de sua criatura. Intimamente, ansiou por João Grilo que saberia como lidar com aquela situação. Até mesmo, desejou ter a mesma sorte do “amarelo safado”. Suou frio, um pouco, não falou quase nada, mas ouviu muito de uma história bem parecida com a que havia criado. Cabeça baixa, coração aos pulos que “quase iam pros pés”, aguardava ansioso a sentença final. No final, tudo deu certo. Ficou sabendo que faria parceria com Grilo na Terra e que ia poder viver mais “umas cem vezes”, como disse desejar em uma entrevista.
Jesus se deu por satisfeito. O “outro” por furioso ao saber que um contador de histórias, inventor de Autos não são mentirosos não. São aliviadores de dores, acalentadores de corações. Merecem o céu, a vida, e nunca irão para o inferno.




quinta-feira, 24 de julho de 2014

VIU? VALEU A PENA ESPERAR!

A Espera disse pro Tempo com Pressa, que com pressa não poderia ajudar.
O Tempo ligou para a Ânsia e disse que o combinado desfez-se.
A Ânsia zangou-se e mandou recado para o Homem dizendo que era para ele se virar. O Homem virou-se e resolveu se danar. Correu para tudo resolver. Fez escolhas até não aguentar mais. Tomou medidas, precauções e ações, aos borbotões.
Fechou a cara cerrou os punhos e decidiu na sua vida mandar. Danou-se, esfalfou-se, para que o desejo, cada vez, mais ardente, não precisasse esperar. Desejou tudo que pode e projetou para realizar.
A Ânsia pediu um tempo. O Tempo pediu ao Homem para esperar. A Espera continuou a se fazer de rogada e sem prazo, sem nada, continuou a postergar.
O Homem percebeu a má vontade e deixou para lá. Aquietou-se, reviu o desejo, revisou seus poderes e fez a ação estancar. Consultou o Plano Cartesiano, marcando encontro para novas coordenadas traçar.  Aliou-se à Paciência e à Calma e no dia marcado para o encontro, estavam lá.
O Homem encontrou o que queria, recebeu o que merecia, viu? Valeu a pena esperar.




terça-feira, 22 de julho de 2014

Procura-se o médico


       É a sala de espera do ambulatório. Nesse momento, ela abriga vítimas das doenças, com seus olhares lânguidos e sorrisos parados que desistiram a meio do caminho. Lá, estão eles. Lá está ele, Dr. Jackiel, se esgueirando no corredor, rumo à sala do ambulatório. De cenho fechado, caminha cabisbaixo, não quer ser visto, não quer se comprometer. Dizer “Bom dia”, “Olá”. 
       É a sala do ambulatório. Nesse momento, ela abriga o médico, soturno, ensimesmado. Não está doente da mesma doença daquelas vítimas, lá na sala de espera, mas, é, sim, um paciente de outros males. Hoje, especialmente, está muito mal, e piorou quando viu todas aquelas fichas esparramadas sobre a sua mesa.
       Abriu, devagar, a porta da sala de espera e olhou com tontura, pela fresta, para o grupo amolentado. Sentiu raiva, sempre sentia raiva de estar ali, de ver todos aqueles doentes e de não ver as doenças. Todos os dias esgrimava com essa ideia. As doenças se incubavam, se escondiam, habitavam, secretamente, o doente. Não podiam ser sacudidas, desmascaradas, postas para correr. Isto, sim, ele saberia fazer. Padecia do mal da ira. E ficava, constantemente, irado, apresentado que era cinco dias na semana, àquelas criaturas entregues, passivas que não podiam ser sacudidas nem desmascaradas. Tinham que ser atendidas, ouvidas e amparadas.
       Não era para ele essa lida. Afinal, ele, também, estava doente. Não era atendido nem entendido. Ninguém procurara dentro dele com exames e raios x o mal da cólera com a vida. Não, ninguém havia tentado desmascarar o Mr. Hyde que se entrincheirava dentro de seu peito. Ele, sim, precisava de um médico. 
      Pegou seus pertences e saiu pela porta dos fundos da sala do ambulatório.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Não ser melhor

       Estar fora da lei, fugindo, correndo, se escondendo, dói. Escamotear a lei, burlar, vadiar corrompe, mas é como funciona, e parece que não corrói. É de cor, está na ponta da língua a sabedoria de cordel de como gozar, lucrar e aliar-se. Ser melhor, achar-se, compreender, cooperar é da lei, mas não de lei e no lado esquerdo do cérebro está,sempre, em delay.
       Enfim, melhorar de vida se quer melhorar a vida, sequer. O lado de fora pede e o sujeito vai ser o melhor. O espelho fala e o sujeito não escuta que bastaria ser melhor.
      O melhor para todos é a vida explica: “quando cada um fica melhor, faz o melhor”, mas é melhor ignorar e cobrar a quem de direito. 
      A caminho da lei sempre há um atalho e foras da lei, no desvio, encontram o escuro, apupos e humilhação.
Ser melhor é o porquê de viver. Ser o melhor pode acontecer, porém é da lei que só se dê quando unidos desejos desejem que todos possam ser.
     No atalho, cobrando de alguém. No escuro desejando nada a ninguém, o desejo não vem. O mundo, a esfera adoece e os fora da lei agonizam. Não ser o melhor dói.
(Brasil mostra a tua cara!)

domingo, 13 de julho de 2014

Com sofreguidão

“Beber o mundo feito Coca-Cola”, com sofreguidão, quisera eu, assim, beber a vida. Beber o mundo, feito almoço de domingo, com toda alegria. Mas não bebo a vida, a vida me devora.
Não digiro nada e o nada me engole. “Mil venturas” jamais previ. Passo os dias na lentidão do slow motion com defeito.
Tenho medo de aventura, mas, a aventura morre de amores por mim. Toda vez que tento entrar em dieta dos desafios, fico sem segundas-feiras.
Não, não me peça para viver com sofreguidão. Eu passo, deixo para os sábios, para os doutos, eu sou plebeu. Deixo para os poetas, atletas, amantes, eu sou retirante, indigente.
O máximo que posso é forçar uma esperança, feito luz de vela. Sento-me à mesa, na escuridão, prato parco à frente e muito de autocomiseração. Como a sobremesa. Acendo a vela, espero a vista acostumar e nada de refrigerante nas refeições.

Na telinha do cinema

Curta Metragem, curta a vida porque a vida é curta. Vá ver um curta, dá para ver muitos.
Lá fora é realidade pura, mas na salinha, é só projeção. Mesmo que haja muito de tudo que dói, que alegra, que emburrece ou que embrutece é curta, curta passagem na tela, nem dói no coração.
Deixar fluir o lampejo de exatidão, de aquietação, de compaixão, não é fugir, claro que não!
Compre o bilhete. Entregue na porta e entre para sempre.
Há várias sessões, várias confissões, várias deserções. É de inebriar.
Inebriar-se é preciso, é mais do que preciso. Contemplação, também. A ação deixe para a tela.
Deixe de ser, deixe estar, fique por lá.
Curta, amoleça, aquiesça e derreta-se até a hora de sair de lá.
Pois, então, saia! Valente, fluido, fluídico e não deixe a longa vida real te incomodar.


Secreto secretíssimo

Todo sussurro parece secreto, mas não é. O sussurro é entoado no ouvido de alguém, há dois partilhando o fato.
Todo segredo parece sigilo, mas não é. Quando dois partilham um...
Todo silêncio parece mistério, mas o silêncio fala mais que mil palavras, logo...
 Agora secreto secretíssimo é o doer em ti, ninguém quer partilhar, ninguém quer ouvir, ninguém quer calar.
A empatia apregoa-se de detetive, apresenta-se como da CIA, mas quando tem um comprovação do fato, um documento, põe no triturador, deleta a mensagem, apaga o agente.
Mesmo que todos falem de seu doer não sabem o que dizem, e dizem sem precisão. E como todo mundo fala da dor e ao mesmo tempo, fica sem consenso e se perde no mundo da lamuriação.
Então, ele permanece secreto, só em você, lá dentro está um agente que ninguém rastreia que ninguém combate.
É secreto secretíssimo só você sabe do seu doer. Porém, não deixe que ele se torne um mistério até para você. Olhe-o, encare-o, chame-o para o duelo. Ninguém está no recinto, só ele e você. Não tente ludibria-lo, nada de blefe. Encoste a ponta afiada do  florim no seu gogó. Não empurre perfurando-o, porque ele secreta amargor. Na verdade, é só xeque-mate, faça-o pedir arrego.
 Só entre ele e você, tudo certo então. Apertem as mãos e cada um para o seu lado.
Ele pras profundezas do mar sagrado e você para viver!!!