terça-feira, 12 de agosto de 2014

O corpo

O corpo amortalhado e sereno. Muitas vozes, muitas vozes ressoavam no recinto, não as dele, do corpo, mas de outros corpos com bocas e ouvidos atuantes.
Muitas opiniões, muitos rótulos, muitas ideias sobre ele, o corpo, amortalhado, mas, não mais sereno.
Ouviu tudo! Não sabia como, mas, ouviu e permaneceu quieto e imóvel. Muitos corpos debruçavam sobre ele, o corpo não mais sereno. Muito choro, lamentações e ele, o corpo permaneceu imóvel. De tantos e tantos corpos aglomerando-lhe em volta, cansou-se, abstraiu-se e retirou-se das críticas e dos planos.
Permanecia deitado imóvel, mas leve, muito leve, agora. Na verdade, o corpo flutuava, e as vozes iam ficando longe e mudas e emudeceram de vez. Entretanto, um novo som chegava delineando-se, uma música, sim, uma música só instrumental, Let it Be. Não sentia incomodo algum, nem medo, nem raiva, deixou-se, então, flutuar bem acima daquela caixa, daqueles corpos. Enrijeceu-se de súbito, mas não parava de subir, então desejou voltar, descer para o aconchego das críticas, dos planos, dos rótulos, de tudo. Pairou, outra vez, em silêncio no recinto.
Agora era ele que se debruçava sobre os outros corpos com bocas atuantes. Debruçou-se de pilhéria, sem que risse, nem com a boca nem por dentro. Colava-se, imiscuía-se  entre dois corpos outros, só não mais se aproximou da caixa.
Num dado momento, ainda sob o influxo de Let it Be, definitivamente, o corpo abstraiu-se do recinto, da caixa, dos outros corpos, e ninguém, ninguém soube para onde.



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