O lápis caiu. Rolou para o canto
onde ele não alcançava. O laboratorialista desistiu de tentar se enfiar entre a
escrivaninha e o frigobar vermelho. Sem canetas que escrevessem, sem rede, precisava,
desesperadamente, do instrumento de grafite para anotar a fórmula que comporia
o relatório cobrado para ontem.
Sua sala de trabalho era seu
esconderijo. Desaparecido no laboratório dava conta de toda demanda, até não
darem conta dele. Pensar, anotar, memorizar era sua rotina, olhar, nunca. Ver
em volta, nem que fosse uma pequena espiada naquela maravilha de árvore que se
espremia nas vidraças só para lhe chamar a atenção, não, certamente, não fazia
parte de sua atuação.
Nesse dia fatídico, a chuva
insistiria em mudar toda história do patologista. Batucava de mansinho na
janela, fraquinha, a princípio, decidida depois.
Nunca olhara, mas, agora olhava
extasiado, sem movimento, sem fala. A chuva inundou seus pensamentos. Continuou
escorrendo pelas vidraças, pelas folhas, parecia que lavava o dentro dele. A
fórmula se esquivou e se encolheu num canto, feito o lápis. As palavras, seus
bordões empilhados, começaram a escorrer- lhe peito afora: desconfiar, bem
escondido, tudo vai mal, jamais, não eu, não faz sentido, não é lógico.
Ele amoleceu feito água. A partir daquele instante, quis deixar pistas
de si. Quis ter face book, twitter, inventar versos e músicas, quis ser
roqueiro. Os olhos rasos d’água continuavam embevecidos com o fenômeno divino.
As batidas na porta fizeram voltar-lhe
o raciocínio, a fórmula, o relatório, o tino. Por um breve momento, compreendeu
ser cúmplice e vítima de um assassinato.
Atendeu a porta, entregou o
documento incompleto e voltou a se enfiar entre o frigobar e a escrivaninha,
vermelho.
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